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ATO ADICIONAL DE 1834 (O)[1]



Hoje é comum ouvir falar em reforma, ou emenda constitucional. Nossa constituição de 1988, já tem mais de 40 emendas aprovadas.

No entanto, no Brasil imperial o processo era muito mais lento. A constituição de 1824 teve apenas uma única emenda, a qual ficou conhecida como o Ato Adicional de 1834, aprovado pela Lei nº. 16 de 12 de agosto. Nos seus 32 artigos, estabeleceu algumas mudanças significativas, principalmente no que se referiu ao Capítulo V da Constituição, que definia as atribuições dos Conselhos Gerais de Província. Ele extinguiu os Conselhos Gerais das províncias e criou, em seu lugar, as assembléias legislativas provinciais com poderes para legislar sobre economia, justiça, educação, entre outros. Além disso, a cidade do Rio de Janeiro foi transformada em Município Neutro, desmembrado da Província do Rio de Janeiro, que passou a ter a sede do governo em Niterói.

Sua aprovação, de certo modo, está ligada aos conflitos gerados em torno da Assembléia Constituinte de 1823 e da Constituição de 1824. Naquele contexto, Dom Pedro I, sentindo as tensões políticas, resolveu dissolver a Constituinte e pouco tempo depois outorgar a Constituição de 1824. As tensões no âmbito do Estado daí em diante se agravaram: revoltas no nordeste, crise econômica, pressão de Portugal. Esses fatos, aliados a outros, levaram D. Pedro I a abdicar do trono em 1831 em favor de seu filho menor, Pedro de Alcântara. A renúncia do imperador desencadeou no Brasil um dos períodos mais tensos da nossa história. Como estabelecia a Constituição Imperial, no seu artigo 123, foi instituída a regência trina provisória que, depois, com o Ato, virou regência una definitiva.

O grupo político, que assumiu o poder após a abdicação de Dom Pedro I era constituído principalmente pelos liberais moderados e exaltados oriundos da luta pela independência e da Constituinte de 1823. De posse do poder passaram a propor algumas medidas que visavam fortalecer o poder das províncias atendendo aos interesses de grupos. Os ânimos se exaltaram e vários conflitos emergiram Brasil afora. Para amenizar as tensões a Câmara dos Deputados passou a discutir e aprovou ama lei em 12 de outubro de 1832, que autorizava a mesma a reformar a Constituição. O objetivo era minimizar os conflitos políticos regionais, gerados pela vacância do monarca, pela própria instituição das regências, e pelos diversos interesses de grupos locais. Foram elaborados projetos, Câmara e Senado se desentenderam, até que chegaram a um  consenso aprovando o Ato Adicional. Foi uma vitória significativa do grupo liberal.

No entanto os conflitos não desapareceram, pois várias rebeliões continuaram explodindo por todo o Império. Por outro lado, vários artigos do Ato Adicional apresentaram interpretação duvidosa e, por isso, muitas províncias passaram a tomar medidas que iam contra o poder geral e a própria Constituição Imperial. Com a justificativa de combater as rebeliões começou a ganhar corpo junto ao regente um movimento regressista que passou a defender medidas centralizadoras. Um dos líderes do movimento, ligado ao partido conservador, Paulino J. S. de Souza, assim se expressou ao propor o projeto de lei visando interpretar o Ato Adicional em 1834.

Não é, porém possível que esta augusta Câmara, decretando o Ato Adicional, o fizesse por tal modo que em vez de estreitar os laços da União os afrouxasse, introduzindo nas leis judiciárias e administrativas um germe fecundo de intermináveis conflitos e de irremediável confusão e anarquia. (SOUSA, 2002, p. 530).

O grupo conservador – regressista defendia um poder forte e centralizado como forma de garantir a ordem e o progresso da Nação. Com a queda do regente Feijó em 1837, assumiu o poder, na nova Regência, Bernardo Pereira de Vasconcelos, que havia sido um dos autores do projeto do Ato Adicional. Desiludido com os vários conflitos gerados a partir da aprovação do mesmo, acabou tornando-se figura central do movimento regressista conservador. Sendo ele extremamente habilidoso com a arte da palavra, notabilizou-se como um dos principais intelectuais da emergente força política. Ao falar para os deputados em 1838 afirma o seguinte.

Eu não mudei de opinião, eu quero o Ato Adicional entendido literalmente: só me desviarei de sua letra quando as regras da hermenêutica, quando o bem público exigirem que seja interpretado, a fim de que não seja, como algum dia suspeitei, em vez da carta de liberdade, carta de anarquia. (VASCONCELOS, 1999, p. 242).

O projeto de interpretação do Ato Adicional foi ganhando adeptos no Senado e na Câmara dos Deputados, sendo aprovado em maio de 1840. Com ele limitou-se o poder provincial, principalmente no âmbito administrativo e judiciário, e definiram-se claramente as competências das câmaras municipais e das assembléias províncias.

Os liberais ainda tentaram o golpe da maioridade de D. Pedro II, em julho de 1840, mas os conservadores logo conquistaram a simpatia do jovem Imperador. Junto com ele começaram a pôr em prática vários instrumentos visando a centralização política e administrativa do Império. Hegemônicos politicamente, foram suprimindo as resistências e consolidando paulatinamente o poder imperial.

O Ato Adicional foi o marco que desencadeou uma vasta discussão entre centralização e descentralização no Brasil imperial, não só para os contemporâneos, mas também entre os estudiosos do período, principalmente do campo educacional. Quem teria o poder de legislar sobre educação? A quem caberia a tarefa de organizar a instrução pública? Ao governo geral ou as províncias? Foram questões que esquentaram as discussões entre políticos, administradores, professores e intelectuais.

Uma das atribuições das Assembléias Províncias, estabelecida pelo Ato Adicional era legislar sobre instrução pública. No artigo 10º parágrafo 2º está definido, que cabia a Assembléia provincial legislar:

sobre instrução públicas e estabelecimentos próprios a promovê-la, não compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos, academias atualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que para o futuro forem criados por lei geral. (NOGUEIRA, 2001, p. 108).

Quem fizer uma leitura pela ótica da história verá que as questões centrais são as revoltas e levantes regionais, o golpe da maioridade e a reação conservadora, com o intuito de restabelecer a ordem e garantir a integridade da Nação. O Ato Adicional é visto pelos historiadores como um fato secundário. No entanto, se a leitura for feita pelo viés da história da educação, perceberá, que o Ato Adicional é representado como um marco central pelos historiadores. Para a grande maioria dos historiadores a descentralização, desencadeada pelo Ato Adicional, fragmentou os parcos projetos e recursos existentes, contribuindo para a proliferação de leis contraditórias, e na prática pôs por terra a instrução elementar no Brasil imperial. O Ato Adicional é visto como fator determinante na definição das políticas de instrução pública elementar, pois cada província, a partir de então tinha autonomia para organizar a seu modo. Em conseqüência disso, afirma Fernando de Azevedo que ela (a instrução elementar) arrastou-se, “através de todo o século XIX, inorganizada, anárquica, incessantemente desagregada” (1996, p. 556).

Ao fazer uma leitura dos autores do século XIX é possível perceber e compreender os limites do Ato Adicional, e com isso reconsiderar a posição da maioria da historiografia educacional. A partir deles é possível demonstrar a lógica da construção do aparelho estatal e como este passou a interferir nas províncias e na sociedade em geral.

No início da década de 1860, Paulino J. S. de Souza publicou o livro Ensaios sobre Direito Administrativo, onde fez uma análise do Estado brasileiro. Nele, ao referir-se ao Ato Adicional, apresentou a seguinte indagação. “Quem há aí que possa contestar que a continuação desse estado de completa desorganização e anarquia social, à qual davam o nome de liberdade, traria por fim a dissolução do Império?” (2002, p. 460). Referindo-se à lei de interpretação do Ato Adicional, no seu livro A Província, publicado em 1870, Tavares Bastos, um dos grandes líderes liberais e ardoroso defensor do poder provincial no século XIX, fez uma afirmação contundente mostrando a força conservadora.

Debalde lutou-se, porém: cada ano, o gênio da monarquia, o ideal de um governo forte pela centralização simétrica, fazia maiores conquistas nas leis, na prática da administração, digamos mesmo, por vergonha nossa, no espírito das populações. Vinte anos depois, ainda promulgava-se a lei contra o direito de reunião, a lei afrancesada de 22 de agosto de 1860, esse diadema da onipotência monárquica. (1975, p. 72).

         Para ele, a lei de interpretação de 1840 foi o “ato mais enérgico da reação conservadora”, pois limitou em muito o poder das assembléias províncias. “Não interpretava-se, amputava-se o ato adicional; e tudo sem os trâmites de uma reforma constitucional: obra por esses dois motivos igualmente odiosa”. (idem, p. 67). No mesmo ano foi lançado o manifesto republicano, que fez fortes críticas à política centralizadora do Estado imperial. Nele os manifestantes afirmam:

A Lei de 3 de dezembro de 1841, que confiscou praticamente a liberdade individual, é o corolário da lei da interpretação do ato adicional, a qual seqüestrou a liberdade política, destruindo por um ato ordinário a deliberação do único poder constituinte que tem existido no Brasil. (Manifesto Republicano, 1998, p. 730)[2].

         Além desses depoimentos citados, não se deve esquecer, que o cargo de presidente de província teve suas funções definidas pela Lei n. 40, de 3 de outubro de 1834. Nela está explicito no seu artigo 1º. que “o presidente da província é a primeira autoridade dela. Todos os que nela se acharem lhe serão subordinados, seja qual for sua classe ou graduação”. (Lei n. 40 de 3 de outubro de 1834). A figura do presidente de província constitui-se em um instrumento central no projeto conservador. Ele limitou o poder das assembléias provinciais e, ao mesmo tempo, foi fundamental para garantir a hegemonia conservadora produzindo e difundindo um tipo ideal de sociedade e Estado para todo o Império. Sua nomeação era uma prerrogativa do imperador e ele não tinha um período fixo de mandato a ser cumprido, poderia ser substituído a qualquer momento, conforme estabelece a Constituição. Diz a lei “Haverá em cada Província um presidente, nomeado pelo Imperador, que o poderá remover quando entender que assim convém ao bom serviço do Estado”. (Constituição de 1824, art. 165).  Cabia a província, apenas eleger o vice-presidente, mas este sairia de uma lista de seis nomes que seriam escolhidos pelo imperador.

Para compreender a dimensão do poder exercido pelo presidente da província recorro novamente a Tavares Bastos, que nos deixou uma afirmação muito ilustrativa.

O presidente exerce hoje uma dupla autoridade: delegado do governo central, administra e inspeciona os negócios gerais na província; executor das resoluções da assembléia dirige e promove os interesses peculiares da província. Confundidas atualmente nas mãos de um só funcionário, essas duas fontes de poder conspiram para convertê-lo em um verdadeiro vice-rei. (1975, p. 89).

         Como demonstrado, após o Ato Adicional, as forças conservadoras desencadearam uma série de medidas, que ao longo do tempo minimizaram a ação das províncias. A lei de interpretação do Ato Adicional, o Código de Processo Civil, a nomeação dos presidentes de província, constituíram-se em instrumentos que buscaram restabelecer a ordem e impor a hierarquia política e administrativa, minimizando, assim os efeitos do Ato Adicional. Portanto, no dizer de Lyra, “ao contrário do que é comumente afirmado, o Ato Adicional não descentralizava os mecanismos de poder político ou administrativo, nem concedia a autonomia das províncias”. Sua aprovação teve como objetivo principal “impedir a descentralização do poder político no Brasil imperial, justamente o contrário da idéia corrente que entendia essa lei como concedente da autonomia provincial”. (Lyra, 2000, p. 93 e 95).

Em matéria recente publicada no jornal O Estado de São Paulo, Jorge Werthein ao analisar a situação educacional do Brasil atual, faz a seguinte afirmação sobre o século XIX. “Todavia, o Ato Adicional de 1834, digerindo mal o liberalismo da época, delegou às províncias essa responsabilidade, isentando o poder central de uma missão que lhe seria própria, deixando a educação primária à sua própria sorte” (2004). Será que depois de vivermos regimes de pesadas ditaduras, que tudo centralizaram, ainda temos que recorrer ao Ato Adicional para justificar o quadro atual de nossa educação? O Ato Adicional não pode ser considerado tão nefasto à organização educacional no Império e conseqüentemente para a história da educação. Até que ponto esse discurso construído pela historiografia não dificultou uma discussão mais profunda sobre as políticas educacionais?

 

BIBLIOGRAFIA

Referencias Documentais

BRASIL. Lei Imperial de n. 40 de 3 de outubro de 1834. Dispõe sobre o poder do presidente de província. Coleção de Leis Império do Brasil do ano de 1834. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1866.

Manifesto Republicano de 1870. In: O Brasil no pensamento brasileiro. Introd. sel. e org. de Djacir Menezes. Brasília: Senado Federal, 1998. (Coleção Brasil 500 anos).

NOGUEIRA, Octaciano. Constituições Brasileiras: 1824. Brasília: Senado Federal e MCT, 2001. (Inclui o Ato Adicional de 1834 e sua lei de interpretação de 1840).

Referencias Historiograficas

AZEVEDO, Fernando de. A Cultura Brasileira. Brasília: UNB, 1996.

BASTOS, A. C. Tavares. A província: estudo sobre a descentralização no Brasil. 3 ed. São Paulo: Nacional, 1975. (Brasiliana, v. 105).

CASTANHA, André Paulo. “O Ato Adicional de 1834 na história da educação brasileira”. In: Anais da V Jornada do Histedbr: Instituições Escolares Brasileiras – história, historiografia e praticas. Sorocaba, 2005. (Disponível em CD-Rom).

LYRA, Maria de Lourdes Viana. O Império em construção; Primeiro Reinado e Regências. São Paulo: Atual, 2000.

SOUSA, P. J. S. “Ensaio sobre Direito Administrativa”. In: Visconde do Uruguai. Organ. e introd. de José Murilo de Carvalho. São Paulo: Ed. 34, 2002.

VASCONCELOS, Bernardo Pereira de. Bernardo Pereira de Vasconcelos. Organ. e introd. de José Murilo de Carvalho. São Paulo: Ed 34, 1999.

WIRTHEIN, Jorge. Educação como prioridade nacional. Publicada no jornal O Estado de São Paulo em 10/11/04.



[1] Verbete elaborado por Antonio Paulo Castanha

[2] A lei de 3 de dezembro que eles se referem reformou o Código de Processo Civil dando maior poder ás autoridades policiais e judiciárias nomeadas pelo governo central.
  

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